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Necessidades nutricionais na nutrição parenteral prolongada em neonatologia

PROF. DR. RUBENS FEFERBAUM
DR. ARTUR DELGADO FIGUEIREDO

Necessidades Energéticas

            Os recém-nascidos utilizando NP têm necessidades energéticas menores que aqueles com nutrição enteral, devido as menores perdas intestinais, exclusão de processos de digestão, absorção e da ação dinâmico-específica dos alimentos. A oferta de 60 kcal/kg não protéicas, associada a infusão adequada de aminoácidos, pode suprir as necessidades metabólicas em repouso. Há crescimento e ganho ponderal, em geral, quando a oferta calórica é superior a 80 kcal/kg e de aminoácidos entre 2.5-3.0g/kg/dia. A oferta predominante de substrato energético é feita através da administração de carbohidratos. Contudo, principalmente nas primeiras semanas de vida a incidência de hiperglicemia é significativamente maior. Esta hiperglicemia durante os primeiros dias de vida é secundária, predominantemente, a uma resistência periférica à insulina do que potencial diminuição da secreção da mesma2,15,16,20.

Necessidades de Aminoácidos

            As soluções de aminoácidos cristalinos desenvolvidas para recém-nascidos têm como objetivo assemelhar-se ao aminograma plasmático de crianças alimentadas com leite humano ou o perfil de aminoácidos encontrados no cordão umbilical. As soluções de aminoácidos devem conter todos os aminoácidos essenciais e não essenciais. Entretanto para o recém-nascido pré-termo (RNPT), alguns aminoácidos são condicionalmente essenciais como a cisteína (dose mínima: 100 mg/kg/dia), taurina e tirosina. Recomenda-se para o RNPT aumento da concentração dos aminoácidos de cadeia ramificada e diminuição da glicina, metionina e fenilalanina. As soluções assim fornecidas, permitem melhor retenção nitrogenada e poucas complicações metabólicas (tabela 1). Uma retenção de nitrogênio de aproximadamente 300mg/kg/dia (semelhante a que ocorre intra-útero) pode ser obtida com oferta de aminoácidos de 2 a 3g/kg/dia. No entanto, para ocorrer eventual anabolismo, é necessária uma oferta calórica não protéica estimada entre 60-80 kcal/kg/dia, perfazendo relação nitrogênio/calorias não protéicas ao redor de 1/2002,3,6,9.

            Inicia-se a infusão de aminoácidos a partir do 2o dia de vida (RNPT toleram 1g/kg/dia), aumentando-se 0.5 g/kg/dia e, atingindo-se o máximo de 3 g/kg/dia (vide tabela 1a). A recomendação citada reduz complicações metabólicas como acidose hiperclorêmica (minimizada pela adição de acetato de sódio no lugar de cloreto de sódio), hiperamonemia e aumento da concentração de alguns aminoácidos, potencialmente neurotóxicos9,20. No entanto Thureen, 2001( comunicação pessoal) indica para o RNPT 3g/Kg/dia já no 2O dia de vida,  o que determinaria  balanço protéico positivo precoce e melhor controle da glicemia; no entanto, mais estudos se fazem necessários  para adotar esta conduta.

            A glutamina parece ser um importante aminoácido para a manutenção trófica de grande número de células da mucosa intestinal. Nas soluções comuns de aminoácidos, a glutamina é instável em solução aquosa e sua oferta pode ser dificultosa. Os benefícios da glutamina no recém-nascido de muito baixo peso tem sido citados desde o início da década de 90 como: diminuição de aquisição de sepse nosocomial, diminuição da ativação das subpopulações de células T (menor translocação bacteriana), melhora na tolerância de terapia nutricional enteral, alteração do perfil plasmático de aminoácidos, redução de custos hospitalares e redução do tempo de ventilação mecânica. Entretanto, a oferta parenteral adicional de glutamina, através de soluções especiais, ainda não têm benefícios comprovados através de estudos bem controlados e de grande casuística5,15,17,20,23

Tabela 1

  

Tabela 1a - Recomendação diária de aminoácidos (AA)

Dias de Vida

 

1

1-3

3-7

>7

Oferta de AA (g/kg/dia)

RNPT

0

1.0

1.5-2.0

até 3.0

 

RNT

0

1.0

2.0

até 3.0

RNPT: recém-nascido pré-termo; RNT: recém-nascido de termo

Hidratos de Carbono

            A glicose (3.4 kcal/g) é a principal fonte de energia da NP. A produção inadequada de insulina e a imaturidade hepática (glicogenólise prejudicada), especialmente no RNPT, freqüentemente ocasionam intolerância à glicose (glicemia > 125mg/dL). Evita-se a hiperglicemia mantendo-se a velocidade de infusão de glicose (VIG) entre 5-7 mg/kg/minuto. Se necessário, aumenta-se a VIG até os valores glicêmicos desejados com incrementos de até 1-2mg/kg/minuto. O uso de insulina exógena como terapêutica da hiperglicemia em recém-nascidos é de difícil controle, ocasionando com freqüência episódios de hipoglicemia7,15,20.

Lípides

            As emulsões intravenosas de lípides fornecem ao recém-nascido os ácidos graxos essenciais, sendo importante fonte de energia concentrada (1g = 9 kcal). As emulsões lipídicas são praticamente isosmolares ao plasma, podendo ser administradas através de veias periféricas. Atualmente, dá-se preferência às soluções a 20%, que têm as vantagens de fornecer mais calorias em menor volume de solução, além de diminuir os níveis de triglicerídeos, fosfolipídeos e colesterol, que se apresentam muito próximos daqueles de recém-nascidos alimentados com leite humano. Esta diferença está relacionada a melhor relação fosfolipídeos/triglicerídeos das emulsões lipídicas a 20% (tabela 2)7,15,20.

            A oferta inicial das emulsões lipídicas é de 0.5g/kg/dia e o incremento diário é da mesma ordem, atingindo-se o máximo de 2.5-3.0g/kg/dia. Adicionamos o lipídeo na solução de aminoácidos, glicose e cristalóides (soluções 3 em 1), tendo o cuidado de não ultrapassar concentrações de glicose superiores a 12.5%, utilizando a solução até 24 horas após o seu preparo. Os recém-nascidos pré-termo, especialmente os pequenos para a idade gestacional, têm maior dificuldade na hidrólise de lipídios pela deficiência das enzimas lipolíticas: lipase lipoprotéica (LPL) e colesterol ACR transferase. Recomenda-se velocidade de infusão de lipídios não superior a 0.15g/kg/hora para evitar hipertrigliceridemia (> 250mg/dL). Os recém-nascidos pré-termo que têm níveis de bilirrubina superiores a 50% daqueles que indicariam exsangüíneotransfusão devem manter infusão de lipídios limitada a 0.5-1.0g/kg/dia, objetivando-se somente a prevenção da deficiência de ácidos graxos essenciais. A utilização de heparina para aumentar a atividade da lipase lipoprotéica é controversa. Os riscos potenciais do excesso de lípides incluem depósito de gordura no sistema reticuloendotelial, com conseqüente comprometimento da sua função, além de plaquetopenia e diminuição da capacidade de difusão do oxigênio em território pulmonar6,7,9,15.

            Novas soluções lipídicas tem sido utilizadas, havendo pouca experiência no período neonatal. As emulsões que misturam triglicérides de cadeia longa e média parecem ser um combustível mais eficiente, com menor dependência da função hepática e menor ação depressora no sistema imune (seria mais vantojosa em pacientes com sepse grave, por exemplo). Os lipídios estruturados são potencialmente uma alternativa futura às misturas de triglicérides de cadeia média e longa. Os lipídios estruturados são emulsões com triglicérides de cadeia média e longa que sofreram interesterificação para criar uma molécula mista. Outras perspectivas futuras incluem as emulsões contendo óleo de oliva e óleo de peixe1,16,21.

Tabela 2 - Composição das soluções de lipídios (Intralipidâ)

 

10% (100 mL)

20% (100 mL)

Óleo de Soja

10g

20g

Fosfolípides (ovo)

1.2g

1.2g

Glicerol

22.5mg

22.5mg

Calorias

55 kcal          

110 kcal

Água, Eletrólitos e Minerais

            As necessidades hídricas dos recém-nascidos são variáveis, dependendo da idade gestacional e pós-conceptual e das condições clínicas associadas. Como exemplo, os recém-nascidos submetidos à fototerapia ou mantidos em berços de calor radiante têm necessidades hídricas aumentadas em 20 mL/kg/dia; aqueles que estão em ventilação mecânica ou com ducto arterioso patente necessitam de restrição hídrica. O volume de líquidos ofertado poderá ser utilizado conforme exposto na tabela 3, sempre ajustado às necessidades do recém-nascido. Deve-se avaliar o seu estado de hidratação através dos dados clínicos, da variação do peso, do volume e densidade urinária, da dosagem do sódio sérico ou urinário e osmolalidade plasmática2,3,6,9

Tabela 3 - Necessidades hídricas do recém-nascido no primeiro mês de vida

RN (Peso em gramas)

1-2 dias (mL/kg/dia)

3 dias (mL/kg/dia)

15-30 dias (mL/kg/dia)

750-1000

105

140

150

1001-1250

100

130

140

1251-1500

90

120

130

1501-1700

80

110

130

1701-2000

80

110

130

RNT

70

80

100

            As necessidades de eletrólitos estão demonstradas na tabela 4. O sódio deverá ser acrescentado a partir do 2o dia de vida; evolutivamente os RNPT de muito baixo peso poderão exigir maior aporte de sódio, em função da perda urinária aumentada devido à imaturidade renal. O excesso de cloreto pode ocasionar acidose metabólica hiperclorêmica. As soluções de aminoácidos não tamponadas contendo aminoácidos catiônicos podem conter excesso de cloretos. Neste caso, deve-se substituir o sódio na forma de cloreto de sódio para acetato de sódio a 10% (1mL = 1.6 mEq de Sódio)6,8,16,20.

       O potássio (K+) é importante no metabolismo da glicose e na síntese do glicogênio. A melhor razão intracelular para a síntese protéica é a relação 3,5/1 - K+/N2. . O catabolismo protéico também contribui com perda de 3mEq de K+ por grama de balanço nitrogenado negativo8,16,20.

        Adiciona-se K+ a partir do 20 dia de vida, na dose de 2-3 mEq/kg/d. O balanço negativo de potássio nos RNPT é conseqüente ao aumento da  aldosterona,  síntese aumentada de prostaglandinas e aumento do débito urinário com ou sem glicosúria8,16,20.

Tabela 4 - Recomendação diária de sódio, potássio e cloro para os recém-nascidos

   

1o Dia de Vida

1o - 3o Dia de Vida

3o- 5o Dia de Vida

> 7o Dia de Vida

Sódio (mEq/kg/dia)

RNPT

RNT

0

0

2

2

3

4

3-5

3

Potássio (mEq/kg/dia)

RNPT

RNT

0

0

0

0

2.5

2.5

2.5

3-5

Cloro (mEq/kg/dia)

RNPT

RNT

0

0

2

2

3

3

3-5

3

    O magnésio é utilizado na dose de 0,5 mEq/kg/dia sob a forma de sulfato de magnésio. O nível sérico deve ser monitorizado, pois o excesso é tóxico, devendo ser utilizado com cuidado na insuficiência renal e em pacientes que utilizam digitálicos (pode levar a bloqueio)8.

O cálcio, o fósforo e o magnésio devem estar presentes na NP do RN (Tabela 5), dando-se preferência atualmente, quando disponíveis, às formulações de fósforo orgânico (glicero-fosfato de cálcio) devido ao fato de que formulações contendo sais de cálcio e fósforo podem precipitar8,11. A solubilidade do cálcio e do fósforo na solução parenteral depende das proporção da concentração de ambos, pH, temperatura e concentração de aminoácidos. Devido às limitadas doses de cálcio e fósforo, os RNPT exclusivamente em terapia nutricional parenteral podem desenvolver osteopenia e raquitismo7,11,12. Quanto à relação cálcio/fósforo nos RNPT a solubilidade do fosfato e do cálcio é fator crítico e limitante,  podendo ocorrer precipitação e ocasionar embolia  pulmonar e óbito11,12.

   Se o produto da concentração do cálcio e do fosfato for menor que o produto de solubilidade de ambos, o risco de precipitação é menor, embora outros fatores como o pH tenham papel importante na solubilidade.2

Cálcio mEq/l x fosfato mEq/l < 300

ou

Cálcio mEq/l x fosfato mM/l < 150

Estima-se que utilizando-se a relação de peso Ca/P de 1,7/1,0 com a dose máxima de 76 mg/kg/dia de cálcio consiga-se alcançar apenas 57% da taxa de incorporação óssea intra uterina11,12.

mg Ca/kg/dia = 9,4 x ml/kg/dia de gluconato de cálcio  1,7

mg P/kg/dia = 21 x ml/kg/dia de fósforo                           1

           Quanto ao pH da solução, quanto mais ácida, maior a solubilidade e maiores quantidades de cálcio e fósforo podem ser adicionadas; o conteúdo de ânions, em especial aminoácidos, tende a baixar o pH  da solução, situação mais favorável  à adição do cálcio e fósforo. A adição de cisteína nas fórmulas (30mg/por grama de aminoácidos) aumenta significativamente a solubilidade do cálcio e do fósforo1,6,11,12.

O sal de cálcio mais utilizado é o gluconato, por ter menor reatividade; deve ser adicionado por último na mistura de nutrientes encontrando o fosfato já totalmente diluído. (1 ml de gluconato de cálcio 10% = 0,47 mEq Ca++ = 9,4 mg de cálcio elementar)11,12.

Como relatado anteriormente, o fosfato orgânico ou glicerofosfato ou

G-1-P, quando disponível, tem maior solubilidade e permite maiores adições de cálcio com misturas estáveis por até 7 dias sem precipitações4,11,12.

Tabela 5 - Recomendações diárias de cálcio, fósforo e magnésio

Nutriente (mmol/kg/dia)

RN Pré-Termo

RN de Termo

Cálcio

1.5

1.5

Fósforo

1.8

1.8

Magnésio

0.5

0.25

Micronutrientes

            Os micronutrientes são metais que fazem parte do núcleo das chamadas metaloenzimas. A deficiência desses elementos pode estar presente especialmente no RNPT durante a NP. A deficiência de zinco ocasiona um quadro semelhante a acrodermatite enteropática, devendo suplementar-se este elemento na dose de 400mcg/kg/dia para todos os RNPT. Se o jejum prolongar-se por mais de duas semanas, outros micronutrientes devem ser adicionados, tais como cobre (20mcg/kg/dia), manganês (1mcg/kg/dia), selênio (2mcg/kg/dia), cromo (0.2mcg/kg/dia), molibdênio (0.25mcg/kg/dia) e iodo (1mcg/kg/dia). O cobre e o manganês devem ser reduzidos em crianças com icterícia colestática ou disfunção hepática. O selênio, cromo e o molibdênio devem ser reduzidos em crianças com insuficiência renal. Não há doses estabelecidas para suplementação de flúor2,3,6,7,10,23,25.

            Os pacientes que recebem nutrição parenteral por tempo prolongado podem acumular alumínio, principalmente se houver insuficiência renal, com possível aparecimento de osteomalácia e encefalopatia14,19,21.

Vitaminas

            Não há fórmula ideal de polivitamínicos para recém-nascidos em nosso meio. Utilizamos preparado comercial polivitamínico (Polivit Aâ e Bâ). As necessidades diárias e a composição dos complexos vitamínicos estão demonstradas na tabela 6. Níveis adequados de vitamina E, vitamina A e vitamina C são considerados importantes na estabilização de ácidos graxos polinsaturados das membranas celulares, diminuindo a gravidade de eventuais lesões pulmonares2,5,6,13,20.

            As vitaminas são fornecidas em soluções multivitamínicas, que são adicionadas à solução parenteral. As doses enterais recomendadas servem apenas como base, já que as soluções intravenosas podem sofrer influências em relação ao recipiente utilizado e à fotodegradação20,23.

            As vitaminas hidrossolúveis compreendem a vitamina C e as do complexo B. As quantidades dessas vitaminas, por via intravenosa, devem ser maiores do que as ofertadas por via enteral, pois uma grande parte é excretada pelos rins. Elas são habitualmente adicionadas à NP em quantidades três vezes maiores do que as doses orais6,7,13.

            As vitaminas lipossolúveis compreendem as vitaminas A, D, E e K. Essas vitaminas, quando ofertadas em excesso, podem acumular-se no organismo, com risco de provocarem intoxicações13,20,23.

            As soluções de vitaminas não contêm a vitamina K. Esta deve ser ofertada, semanalmente, na dose de 1mg, por via intramuscular.

Tabela 6 - Recomendação diária das vitaminas

 

Necessidade/dia

Polivit A-Pedâ

Polivit B - Pedâ

Vitamina A

280-500mg

460mg

 

Vitamina D

40-160 UI

80 UI

 

Vitamina E

2-4 UI

1.4 UI

 

Vitamina B1

0.3-0.8mg

0.24 mg

 

Vitamina B2

0.4-0.9mg

0.28mg

 

Vitamina B3

Não determinada

3.4mg

 

Vitamina B5

2mg

1mg

 

Vitamina B6

0.3-0.7mg

0.2mg

 

Vitamina C

35-50mg

16mg

 

Vitamina B7

6-13mcg

 

4mcg

Ácido Fólico

40-60mcg

 

28mcg

Vitamina B12

`0.3-0.7mcg

 

0.2mcg

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