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Compatibilidade entre medicamentos e nutrição parenteral neonatal

Tatiana Ferreira Marques
Michel Kfouri Filho
Dirce Akamine

A técnica de utilizar apenas um veículo para a administração IV de múltiplos medicamentos reduz consideravelmente o tempo de preparação e administração (42%), o volume total administrado (50%), possíveis infecções e o custo global do tratamento/dia (10-13%), além de facilitar o cumprimento da prescrição médica [1] e diminuir a sobrecarga de trabalho da enfermagem, principalmente em se tratando de UTI. Como o acesso vascular em neonatos é limitado, medicamentos IV muitas vezes são adicionados a fluidos de manutenção, incluindo as nutrições parenterais.

O item 5.6.5 da Portaria nº 272 de 08/04/1998, recomenda que a via de acesso à NPT seja exclusiva; salvo em casos extraordinários, quando deve ter o consenso da EMTN (Equipe Multidisciplinar de Terapia Nutricional).

No entanto, a prática da co-administração em Y de outros medicamentos é corrente em UTI neonatais, uma vez que o paciente grave geralmente apresenta baixo peso (menos de 1500 g), o que complica o acesso venoso.

Não há duvidas de que ao se promover tais misturas, estão se alterando todas as características de cada componente, e por isso, é importante conhecer perdas na atividade ou aparecimento de compostos tóxicos.

Ainda há poucos estudos que avaliem o grau de compatibilidade entre nutrição parenteral para neonatologia e medicamentos administrados em Y ou aditivados na própria NPT. A maioria dos estudos de compatibilidade entre NPT e medicamentos estão baseados em composições para uso adulto, que diferem das pediátricas principalmente pelo pH da solução final.

Enquanto as soluções de aminoácidos para uso adulto apresentam uma faixa de pH entre 6,0 e 7,0 em média [2] , as formulações especializadas para uso infantil são mais ácidas, apresentando um pH de 5.5. Isto se deve ao fato das preparações pediátricas mais especializadas existentes no mercado (como o Pediamino TauÒ e PrimeneÒ) apresentarem taurina na composição, aumentando a acidez da solução. A adição de cisteína à NPT neonatal [3] também resulta num abaixamento do pH da solução final.

Desta maneira, pode-se delinear os principais fatores condicionantes [4] de estabilidade:

Inerentes a seus componentes

Inerentes a sua conservação

1.       Natureza e concentração do medicamento

2.       Composição e pH do veículo/NPT

3.       Perfil de pH / velocidade de degradação

4.       Natureza do envase e condicionantes do envase

5.       Temperatura

6.       Luz solar

7.       Outras radiações

Destes, o fator de maior risco é o perfil de pH, pois este rege o grau de ionização dos componentes na solução parenteral, permitindo que se preveja uma associação potencialmente perigosa do ponto de vista farmacotécnico.

Vale ressaltar que em toda avaliação da compatibilidade de uma NPT e um medicamento deve-se levar em conta: o perfil de pH do medicamento, o comportamento do medicamento nos inúmeros diluentes (por exemplo, um medicamento pouco estável em soro glicosado, pode apresentar menor estabilidade em NPT), a concentração de íons divalentes (como cálcio e magnésio) na solução, a presença de emulsão lipídica, a concentração final do medicamento na solução; entre outros.

Via de regra, soluções do tipo 3-em-1 são sistemas menos estáveis, o que restringe a aditivação de outros componentes à preparação, além de mascarar incompatibilidades.

A co-administração em Y também deve ser criteriosamente avaliada, pois no sítio de contato entre a nutrição parenteral e o medicamento, pode ocorrer a formação de precipitados ou quebra da emulsão lipídica, que são potencialmente fatais para pacientes de baixo peso.

Com base em três estudos [5] , [6] , [7] sobre compatibilidade entre nutrição parenteral e medicamentos aditivados ou co-administrados em Y, destacamos alguns com interesse em neonatologia.

As formulações das NPT avaliadas nos estudos apresentam-se a seguir:

Composição

Fórmula 15

Fórmula 27

Fórmula 37

Fórmula 45

Fórmula 55

Fórmula 66

Fórmula 76

Aminoácidos 10%

3%

3,5%

4,25%

4,9%

6%

2%*

3%*

Glicose

5%

5%

25%

20%

11%

10%

20%

Emulsão Lipídica 20%

2%

--

--

3,5%

4%

--

--

L-Cisteína (mg/100mL)

--

--

--

--

--

20

30

Relação Aa : Gli : Lip

1:0,7:1,7

1:1,4

1:6

1:0,7:4

1:0,7:1,8

1:5

1:7

*Formulações preparadas com solução de aminoácidos totais com taurina

1.       ACICLOVIR

Estudou-se a compatibilidade do aciclovir com as fórmulas de números 1 a 7, numa concentração de 7 mg/mL..

Foi observada incompatibilidade com formação imediata de precipitado cristalino em todas as formulações.

2.       AMINOFILINA

Extensamente utilizada em pediatria, a aminofilina mostrou-se compatível numa concentração de 2,5 mg/mL com as formulações de 1 a 5, que contém aminoácidos totais não especializados em pediatria, isto é, que não contêm taurina e/ou cisteína.

Com as formulações mais especializadas para uso neonatal (Fórmulas 6 e 7), isto é, contendo taurina e cisteína, a aminofilina foi incompatível, ocorrendo turvação imediata do meio quando numa concentração de 5 mg/mL e 25 mg/mL.

3.       AMPICILINA SÓDICA

Não ocorreram alterações físicas na co-administração de nutrição parenteral, com ou sem lipídios (Fórmulas de 1 a 5), numa concentração de 20 mg/mL.

No estudo com formulações mais especializadas para neonatologia (Fórmulas 6 e 7), foi observada a incompatibilidade da ampicilina sódica em concentrações de 100 mg/mL e 250 mg/mL, com turvação imediata da solução.

4.       CITRATO DE FENTANILA (Fentanylâ)

Não foram observadas alterações físicas na co-administração de nutrição parenteral, com ou sem lipídios (Fórmulas de 1 a 5) e citrato de fentanila nas concentrações de 0,050 mg/mL e 0,0125 mg/mL. Na concentração de 0,050 mg/mL o citrato de fentanila também mostrou-se compatível com nutrição parenteral neonatal/pediátrica sem lipídios (Fórmulas 6 e 7).

5.       CLORIDRATO DE DOBUTAMINA

O cloridrato de dobutamina mostrou-se compatível em administração em Y com nutrição parenteral com e sem lipídios (Fórmulas de 1 a 5), a uma concentração de 4 mg/mL, em solução de glicose a 5%.

A dobutamina também foi compatível com as formulações números 6 e 7, de caráter mais especializado, numa concentração de 5 mg/mL.

6.       CLORIDRATO DE DOPAMINA

O cloridrato de dopamina mostrou-se compatível com preparações que não apresentavam lipídios (Fórmulas 2 e 3), quando administrado numa concentração de 3,2 mg/mL em soro glicosado a 5%.

A administração em Y com nutrição parenteral 3-em-1 (Fórmulas 1, 4 e 5) foi incompatível, com precipitação imediata da dopamina e suposta inativação do medicamento.

No estudo dirigido ao uso na população neonatal/pediátrica (conteúdo de aminoácidos diferenciado, com menor pH da solução final), a dopamina mostrou-se compatível. Cabe ressaltar que esta preparação não continha lipídios (Fórmulas 6 e 7).

7.       CLORIDRATO DE MIDAZOLAM (Dormonidâ)

O cloridrato de midazolam não é compatível com administração em Y concomitante a nutrição parenteral, com ou sem lipídios (Fórmulas de 1 a 5), ocorrendo turvação imediata (com suposta inativação do medicamento) e quebra imediata da emulsão lipídica com formação de sobrenadante oleoso. As preparações de midazolam utilizadas para estudo apresentavam uma concentração de 2 mg/mL, em solução de glicose 5%.

8.       CLORIDRATO DE VANCOMICINA

A vancomicina mostrou-se compatível com a co-administração em Y concomitante a nutrição parenteral com e sem lipídios (Fórmulas 1 a 5), numa concentração de 10 mg/mL e com formulações altamente especializadas para uso neonatal (Fórmulas 6 e 7) numa concentração de 5 mg/mL.

9.       FENOBARBITAL SÓDICO

O fenobarbital sódico foi estudado a uma concentração de 5 mg/mL, em soro glicosado 5%.

Quando administrado em Y com nutrições parenterais sem lipídios (Fórmulas 2 e 3), não ocorreu sinais de incompatibilidade física.

No entanto, quando administrado concomitante a nutrições parenterais totais isto é, contendo lipídios (Fórmulas 1, 4 e 5), ocorreu quebra imediata da emulsão com separação da camada oleosa na superfície.

10.   FOSFATO DE DEXAMETASONA SÓDICA

A dexametasona mostrou-se compatível com as formulações de número 1 a 5 numa concentração de 1 mg/mL em soro glicosado, e também foi compatível com as formulações mais especializadas para uso infantil (Fórmulas 6 e 7) numa concentração de 4 mg/mL.

11.   FUROSEMIDA (Lasixâ)

A preparação estudada continha 3 mg/mL de furosemida em solução de glicose 5%. Ocorreu incompatibilidade física da furosemida administrada conjuntamente a nutrições parenterais sem lipídios (Fórmulas 2 e 3), com pequena formação de precipitado após 4 horas de contato, não sendo visível a olho nu.

Nenhuma incompatibilidade foi evidenciada no estudo de furosemida e nutrição parenteral com lipídios (Fórmulas 1, 4 e 5).

A furosemida mostrou-se compatível com formulações neonatais (conteúdo de aminoácidos e pH final da solução diferenciados) sem lipídios (Fórmulas 6 e 7), numa concentração de 10 mg/mL.

12.   HEPARINA SÓDICA

Prática corrente em nutrição parenteral neonatal, a adição heparina sódica à solução é controversa, sendo que alguns estudos demonstram que doses de até 1 UI/mL na concentração final não desestabilizam a emulsão lipídica. [8]

Em administração em Y (Fórmulas 1, 4 e 5), a heparina sódica foi estudada numa concentração de 100UI/mL. Não foi observada incompatibilidade física entre a heparina sódica e nutrição parenteral sem lipídios. No entanto, a co-administração com nutrição parenteral do tipo 3-em-1 (Fórmulas 2 e 3) resultou em quebra imediata da emulsão lipídica e formação de filme superficial oleoso.

13.   NORADRENALINA

Estudou-se a compatibilidade do bitartarato de norepinefrina numa concentração de 0,016 mg/mL em solução de glicose 5%. Na co-administração com nutrição parenteral sem lipídios (Fórmulas 2 e 3) não foi observada nenhuma alteração física. A administração em Y com nutrição parenteral total não foi reportada.

14.   SULFATO DE TOBRAMICINA

Numa concentração de 10 mg/mL, o sulfato de tobramicina mostrou-se compatível com nutrição parenteral altamente especializada para neonatologia sem lipídios (Fórmulas 6 e 7).

Também foi observada a compatibilidade do sulfato de tobramicina em co-administração com nutrição parenteral do tipo 3-em-1 e sem lipídios (Fórmulas 1 a 5) numa concentração de 5 mg/mL..

15.   ZIDOVUDINA

A zidovudina foi estudada a uma concentração de 4 mg/mL em soro glicosado 5%, mostrando-se compatível com todas as formulações (Fórmulas de 1 a 7).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O farmacêutico é peça fundamental na equipe multiprofissional para a avaliação da compatibilidade entre a formulação de NP e os medicamentos prescritos pelo médico.

Diversas vezes pode-se deparar com uma situação na qual a literatura não consta relatos. Neste momento, cabe ao farmacêutico avaliar, através da estrutura química do medicamento em questão, concentração final do mesmo, composição da NP, pH final da NP, entre outras características químicas inerentes à composição, uma possível compatibilidade teórica. Não obstante, quando houver dúvida ou insegurança, o farmacêutico deve estudar outras vias ou técnicas para a administração dos medicamentos via parenteral.

Referências Bibliográficas

[1] TORRES, Víctor Jiménez. Mezclas Intravenosas y Nutrición Artificial. 4 ed. Valencia: Convaser. 1999. p.123-68.

[2] WAITZBERG, Dan L. Nutrição Oral, Enteral e Parenteral na Prática Clínica. 3 ed. São Paulo: Atheneu. 2001. p.1078-80.

[3] SCHMIDT G.L., BAUMGARTNER T.G., FISCHWEIGLER W., Cost containment using cysteine HCl acidification to increase calcium/phosphate solubility in hyperalimentation solutions. J. Parenter. Enteral Nutr. 1986; 10:203-7.

[4] TORRES, Víctor Jiménez. Mezclas Intravenosas y Nutrición Artificial. 4 ed. Valencia: Convaser. 1999. p.123-68.

[5] TRISSEL LA, GILBERT DL, MARTINEZ JF, BAKER MB, WALTER WV, MIRTALLO JM. Compatibility of medications with 3-in-1 parenteral nutrition admixtures. J Parenter Enteral Nutr 1999 Mar-Apr;23(2):67-74

[6] VELTRI M, LEE CK. Compatibility of neonatal parenteral nutrient solutions with selected intravenous drugs. Am J Health Syst Pharm 1996 Nov 1;53(21):2611-3

[7] TRISSEL LA, GILBERT DL, MARTINEZ JF, BAKER MB, WALTER WV, MIRTALLO JM. Compatibility of parenteral nutrient solutions with selected drugs during simulated Y-site administration. Am J Health Syst Pharm 1997 Jun 1;54:1295-300

[8] SILVERS K.M., DARLOW B.A., WINTERBOURN C.C., Pharmacologic levels of heparin do not destabilize neonatal parenteral nutrition. J Parenter Enteral Nutr 1998 Sep 5;55(22):311-4

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