Alimentação saudável - O lugar da soja
Alimentação saudável - Qual o lugar da soja?
Nutricionista Michele Caroline de Costa Trindade
Dr. Daniel Magnoni
A soja é uma leguminosa cultivada há séculos por povos asiáticos, enquanto que o Brasil, mesmo sendo o segundo produtor mundial, só passou a incorporá-la a alimentação nas últimas décadas. A justificativa talvez possa ser pelas dúvidas das propriedades do grão e as técnicas de preparo, por isso vem o interesse em explicitar os benefícios da soja e seus subprodutos, a fim de torná-la um alimento cada vez mais presente a alimentação da população brasileira.
A composição do grão de soja varia de acordo com as condições de plantio e a composição do solo, podendo-se obter entre 40 a 45% de proteína, 18 a 20% de lipídios, 30 a 34% de carboidratos (glicose, frutose e sacarose, fibras e os oligosacarídeos como rafinose e estaquiose) e 5% de minerais. Dentre os minerais, os mais presentes são: potássio, cálcio, magnésio, fósforo, cobre e zinco. É fonte de algumas vitaminas do complexo B, entre elas: a riboflavina e a niacina, como também em vitamina C (ácido ascórbico). Porém, é pobre em vitamina A e não contém vitaminas D e B12.
Além destes nutrientes, a soja contém a isoflavona, também chamado de fitoestrógeno, que atua na prevenção de doenças crônico-degenerativas como o câncer de mama, de cólon de útero e de próstata. Sua estrutura química é semelhante ao estrógeno (hormônio feminino) e, por isso, é uma substância capaz de aliviar os efeitos da menopausa e da tensão pré-menstrual. As propriedades estrógenas também ajudam a reduzir um outro problema causado pela deficiência hormonal: a osteoporose. Na maioria dos alimentos à base de soja, o teor de isoflavonas varia de 100 a 300 mg até 100 g.
As fibras dietéticas solúveis e insolúveis, presentes na soja contribuem para a manutenção do nível glicêmico e para a melhora da sensibilidade à insulina, e por apresentar baixo índice glicêmico é relevante na prevenção e tratamento de diabetes e obesidade.
Como componente do grão de soja, ainda temos os fitatos, conhecidos também como ácido fítico, que são compostos químicos utilizados pelas plantas para armazenar o mineral fósforo no interior de suas células. Os fitatos são considerados fatores antinutricionais, pois reduzem a biodisponibilidade no organismo de minerais como: cálcio, ferro, magnésio, manganês, cobre e zinco, principalmente. Porém, na última década, estudos demonstraram que os fitatos também atuam como potentes agentes antioxidantes (prevenindo a oxidação ou envelhecimento das células), cumprindo assim uma função importante na redução dos riscos de inúmeras doenças crônicas e degenerativas, como alguns tipos de câncer e artrites. O teor de fitatos na soja é da ordem de 1,5% da composição do grão, no feijão de 2,5% e nos farelos como o de trigo e o arroz é da ordem de 4,5%.
Os oligossacarídeos são outros componentes que eram criticados por induzirem a formação de gases, mas hoje estão presentes entre as substâncias prebióticas, sendo capazes de melhorar a função do cólon e exercer os efeitos benéficos nos vários tipos de câncer, nos lipídios séricos e na absorção do cálcio.
Após a avaliação da composição específica de aminoácidos e a facilidade com que é digerida e absorvida pelo organismo (Protein Digestibility Corrected Amino Acid Score - PDCAAS), a proteína de soja foi considerada como de alto valo biológico por apresentar um escore equivalente aos das fontes protéicas de origem animal de alta qualidade: a proteína do ovo e a do leite. Os valores do PDCAAS variam de próximos a 0,1 a 1,0. O valor 1,0 representa que 100% dos aminoácidos essenciais, necessários a uma criança de 2 a 5 anos, está presente na proteína em questão. A proteína de carne bovina possui PDCAAS de 0,92 enquanto a caseína, albumina e a proteína isolada de soja alcançam 1,0 e a farinha de milho possui 0,52.
Inúmeros são os estudos que comprovam a eficácia da soja e seus derivados no tratamento ou prevenção da obesidade, algumas doenças crônicas, osteoporose, síndrome do climatério e intolerância a lactose, devido a sua excelência na qualidade protéica e demais componentes. Mas quais os produtos de soja que posso e devo ser introduzir na alimentação?
Além do grão de soja temos disponíveis a farinha (kinako), o tofu (queijo de soja), o extrato solúvel ("leite"), a proteína texturizada (PTS ou "carne" de soja), óleo e o missô. Vale ressaltar que tanto a soja em grão como os produtos derivados possuem as isoflavonas e sua concentração vai depender dos processos industriais a que é submetida.
A soja, como qualquer outra leguminosa, possui fatores antinutricionais que devem ser inativados pelo calor (torra ou o cozimento). Este processo térmico não traz nenhum prejuízo às propriedades nutricionais da soja. Cabe lembrar que a casca de soja é constituída por fibras insolúveis e pode ser consumida.
O kinako é o grão de soja torrado e moído, enquanto a farinha de soja é feita após do tratamento térmico do grão (fervura de cinco minutos e choque em água fria). As farinhas e farelos resultam da trituração dos grãos e remoção do óleo; contêm cerca de 40 a 54% de proteínas. Podem ser grosso, médio e fino. A farinha tem a mesma composição, variando apenas no tamanho da partícula. Podem ser usados no preparo de pães, bolos, bolachas, tortas salgadas e podem ser misturadas ao leite, ao iogurte, às frutas picadas, a sucos e vitaminas.
O processo de obtenção do extrato de soja os grãos selecionados previamente são moídos com água e passam por um processo de centrifugação, assim os nutrientes solúveis e parte das gorduras são extraídos. O líquido resultante é o extrato de soja, que posteriormente é submetido a tratamentos térmicos que preservam a proteína. O tofu só pode ser preparado a partir do "leite" de soja. As bebidas à base de soja adicionadas de sucos de frutas podem ser produzidas a partir de proteína isolada de soja e de sucos naturais concentrados de frutas ou então a partir de extrato ou "leite" de soja e sucos naturais concentrados de frutas.
A proteína pode ser extraída de vários modos na dependência do avanço tecnológico e no interesse dietoterápico. O concentrado protéico de soja, processado por extração alcoólica na grande totalidade, preserva a participação de carboidratos, exclui a presença de gorduras, água e possui 65% de composição protéica. A sua utilização na indústria alimentícia é amplamente difundida como "fortificante protéico" e base nutricional de alimentos liofilizados.
A proteína isolada de soja pode ser extraída do grão de soja por processos químicos ou mecânicos. Envolve o uso de temperatura, maceração e utilização de água ou álcool e possui peso seco de 90% de proteína e está inserida na produção de compostos dietéticos e dietoterápicos.
Na literatura encontram-se inúmeros trabalhos analisando as características químicas do isolado protéico de soja e relacionando-as à forma de extração protéica. Existem evidências clínicas que a extração aquosa preserva as isoflavonas, diretamente envolvidas com o fator de proteção cardiovascular atribuído à soja.
A proteína texturizada de soja (PTS) é feita a partir de farinha desengordurada de soja, por um processo chamado de extrusão termoplástica. O teor de proteínas presente na PTS é de 50% a 52%
A adoção de uma alimentação saudável mediante ao consumo da soja e seus produtos é viável principalmente pela qualidade nutricional que apresentam. Na verdade, cabe aos profissionais envolvidos com a alimentação e nutrição investir na divulgação dos benefícios da soja e de seus produtos para a saúde e qualidade de vida dos consumidores, além de orientá-los como e quando preparar estes produtos e aplicá-los no dia a dia. Essas informações, sem dúvidas, podem incentivar o consumo.
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