A Importância das fibras na prevenção e tratamento das Dislipidemias
Rosana Perim Costa, Carlos Daniel Magnoni
1. Introdução:
Nos últimos anos, as fibras alimentares ou fibras da dieta vem despertando grande interesse em estudos , como demonstra a recente explosão da pesquisa científica nessa área. Entretanto , a investigação sobre o papel das fibras da dieta no organismo humano não é nova.(1)
A propriedade laxativa do farelo de trigo , reconhecida desde o tempo de Hipócrates , foi comprovada por pesquisas científicas realizadas nos anos 30 , valorizando o emprego das fibras do trigo para prevenir e tratar a constipação intestinal.(2)(3)(4).
Nos anos 50 , alguns pesquisadores começaram a notar que , em coletividades não submetidas aos progressos da industrialização de alimentos , eram raras , ou mesmo inexistentes , moléstias consideradas comuns em sociedades desenvolvidas , tais como : hipertensão arterial , infarto do miocárdio , obesidade , distúrbios vasculares e gastrointestinais.(5)(6)
Nos últimos 20 anos , tem-se afirmado que o consumo de fibra alimentar é uma das bases de um estilo de vida saudável. As fibras oferecem proteção contra várias enfermidades: diabetes mellitus , doença coronariana e isquêmica do coração , obesidade e distúrbios do aparelho digestivo.(7)
Para avaliar os benefícios preventivos ou terapêuticos das fibras , é importante considerar os conceitos atuais sobre a natureza físico-química das fibras e os complexos modos pelos quais as fibras podem influenciar a fisiologia gastrointestinal , endócrina e lipídica.(8)(9)(10).
2. Definição:
O conceito de fibra alimentar ou fibra da dieta , pode ser definido como sendo a soma dos polissacarídeos (celulose , ß glucano , hemicelulose , gomas e substâncias pécticas) , lignina e outros resíduos não digeríveis pelas secreções endógenas do trato gastrointestinal.
A fibra deriva-se , principalmente , da parede celular e de estruturas intercelulares dos vegetais , frutos e sementes , estando associada a outras substâncias como proteínas , compostos inorgânicos , oxalatos , fitatos , lignina e substâncias fenólicas de baixo peso molecular.(11)
As fibras alimentares se distinguem por suas funções no organismo e são classificadas , de acordo com a sua solubilidade em água , em solúveis e insolúveis.
As fibras insolúveis incluem a celulose , lignina e muitas hemiceluloses e as principais fontes são o arroz e o trigo integral. Suas funções são de diminuir o tempo do trânsito intestinal , aumentar o volume do bolo fecal , retardar a absorção de glicose , retardar a hidrólise do amido. Não alteram a glicemia pós prandial e nem os níveis de colesterol sanguíneo.(12)
As fibras solúveis incluem a pectina , as gomas e certas hemiceluloses. São encontradas em frutas , aveia , cevada e leguminosas ( feijão , grão de bico , lentilha e ervilha ) e suas principais funções são de aumentar o tempo do trânsito intestinal , diminuir o esvaziamento gástrico , retardar a absorção de glicose , diminuir a glicemia pós prandial e diminuir o colesterol sanguíneo.(13)
O farelo de aveia é o alimento mais rico em fibras solúveis e com maior capacidade de diminuir o colesterol do sangue. É proveniente de um processo mecânico de separação do grão de aveia e esta por sua vez , faz parte do grupo dos cereais , como o arroz , o trigo e o milho.(14)
As fibras solúveis ajudam a controlar o colesterol pelas suas propriedades físico - químicas , ou seja , retenção de água , solubilidade aparente , capacidade de ligação e degradação. Quando agem no trato gastrointestinal , solúveis e insolúveis tem efeitos diferentes. Confira na tabela abaixo:
Efeito | Solúvel | Insolúvel |
Mastigação | Não altera | Aumenta |
Esvaziamento gástrico | Diminui | Diminui |
Saciedade | Aumenta | Aumenta |
Absorção de nutrientes | Diminui | Diminui |
Mobilidade | Não altera | Aumenta |
Tempo de trânsito | Aumenta | Diminui |
Peso das fezes | Não altera | Aumenta |
Número de evacuações | Diminui | Aumenta |
Constituintes das fezes | Altera | Altera |
Pressão intraluminal | Não altera | Aumenta |
Referência: Anderson , J.W. Physiological and metabolic effects of dietary fiber. Fed. Proc.,1985; 44: 2902
3. Fibras e Doenças Cardiovasculares :
A ocorrência de doenças coronarianas tem levado muitos pesquisadores a realizar estudos comparativos com populações menos atingidas por esses problemas. Os resultados encontrados tem demonstrado existir uma relação entre a prevalência crescente dessas doenças com o consumo de dietas com menor conteúdo de fibras.
Inúmeros autores publicaram nas últimas décadas, ensaios científicos comparando a ingestão de fibras e a prevalência da doença coronariana.(15)(16)(17)
O trabalho de Burkitt e col. comparou a participação das fibras na dieta americana e africana, relacionando a maior prevalência da doença aterosclerótica coronariana na primeira como em parte decorrente da menor utilização alimentar de fibras solúveis.
Bijlani citou o efeito hipocolesterolêmico das fibras , especialmente em indivíduos que apresentam níveis elevados de colesterol , associado com a ingestão de dietas ricas em colesterol.
Existem algumas teorias para explicar a ação das fibras sobre o metabolismo das gorduras .
A absorção de água , pelos diferentes tipos de fibras , produz uma diluição que altera a digestão e absorção das gorduras.
Estudos realizados sobre a modificação da flora intestinal tem levado a crer que isto pode ocorrer em parte devido à um aumento da água das fezes , o que também contribuiria para a maior diluição do conteúdo fecal e consequente alteração na digestão e absorção de gorduras.
Quanto à capacidade das fibras de absorver ácidos biliares , segundo Story , isto leva a uma dupla perda de colesterol.
A absorção intestinal de colesterol depende da disponibilidade de sais biliares e fosfolipídeos para a formação de micelas . Se os níveis de ácidos biliares estão reduzidos, o resultado seria a consequente queda na formação de micelas. .
As fibras se ligam aos sais biliares no intestino , diminuindo sua reabsorção , o que resulta em menos colesterol disponível no figado para a síntese de lipoproteínas . As fibras solúveis são quase completamente fermentadas no cólon , produzindo ácidos graxos de cadeia curta , os quais podem inibir a síntese hepática de colesterol e incrementar a depuração de LDL .(13)
Embora a absorção de colesterol seja alterada por várias fontes de fibras , nem todas produzem o mesmo efeito. A lignina tem efeito hipocolesterolêmico , enquanto a celulose pouco altera o metabolismo dos lipídeos. Já o consumo de pectina demonstra resposta positiva na redução dos níveis de colesterol.(17)
A pectina é um polímero gelacturônico presente na casca branca interna de várias frutas, principalmente as maçãs e as frutas cítricas.
Vários estudos tem demonstrado seu efeito hipocolesterolêmico na redução do níveis séricos e hepáticos de colesterol total em indivíduos sadios.
Pesquisas realizadas por Baig e Cerda à respeito das interações que existem entre a pectina e as lipoproteínas do plasma, concluiram que quando suplementada na dieta, acarreta redução dos níveis séricos e hepáticos de colesterol, tanto em seres humanos como em animais de experimentação.(7)
Durrington verificou o efeito da pectina em 12 homens sadios, que acrescentaram em sua dieta habitual, 5 g. de pectina em pó, 3 vezes ao dia, misturados em água ou suco de laranja, durante 4 semanas, onde os resultados obtidos foram, redução importante nos níveis de colesterol, apoproteína B e triglicérides.(7)
Juntamente com a pectina, a goma-guar, que é um polissacarídeo armazenado nas paredes celulares de leguminosas, usada como espessante em molhos, devido à capacidade de formar gel, tem demonstrado ser também um potente elemento redutor dos níveis séricos de colesterol e LDL- col.
Os mecanismos de ação ainda permanecem imprecisos, mas devem, estar envolvidos, com sua viscosidade e capacidade de proteção da mucosa intestinal, interferindo na absorção dos lipídeos. Outra maneira de ação dessa fibra vegetal, seria através da redução da glicemia pós- prandial e da concentração de insulina, reduzindo o estímulo para a síntese hepática de colesterol.
O uso da goma- guar a longo prazo, tem sido evitado, em consequência do seu sabor desagradável e sua alta viscosidade, mesmo quando misturada com alimentos sólidos e líquidos.(7)
Em 1977 , estudos internacionais mostraram que 100g/dia de farelo de aveia em dietas de diabéticos , diminuiam o colesterol em 36% , o LDL em 58% e aumentava o HDL em 86% . Hoje , sabe-se que a ingestão diária de 56g de farelo de aveia associado à dieta com baixos níveis de gordura , diminui os níveis séricos de colesterol em 19%.
Embora já esteja comprovada essa ação das fibras solúveis , ainda não se conhece totalmente seu mecanismo , contudo , sabe-se que elas modificam a absorção e o metabolismo dos ácidos biliares , aumentando a excreção do colesterol. As fibras interferem ainda na absorção e metabolismo dos lipídeos e produzem ácidos graxos de cadeia curta , a partir da fermentação.
A recomendação de ingestão de fibra alimentar total para adultos é de 20 a 30 g/dia , sendo 25% ( 6 g) de fibra solúvel. (18)
O grupo de cereais e seus derivados e as leguminosas representam boas fontes alimentares , assim como as frutas. A melhor maneira de se alcançar esta recomendação é aumentar a ingestão desses alimentos.
A tabela abaixo relaciona o teor de fibras em 100g do respectivo alimento :
Tabela 1 - Teor de fibra nos alimentos (g/100g)
Alimento | Fibra solúvel | Fibra insolúvel | Alimento | Fibra solúvel | Fibra insolúvel |
Cereais e derivados | |||||
Arroz branco* | 1,26 | 1,52 | Macarrão | 0,68 | 0,96 |
Arroz integral* | 0,96 | 3,37 | Macarrão integral* | 1,04 | 2,18 |
Aveia em flocos | 4,56 | 1,86 | Pão de centeio | 2,32 | 4,83 |
Farelo de aveia | 3,40 | 3,56 | Pão francês | 2,50 | 3,86 |
Farelo de trigo | 3,41 | 36,04 | Pão integral | 1,79 | 5,24 |
Alface | 0,57 | 1,00 | Jiló | 6,84 | 1,82 |
Beringela* | 0,94 | 1,59 | Mandioca* | 2,72 | 2,14 |
Beterraba* | 1,42 | 1,29 | Pepino | 0,31 | 0,50 |
Brócoli* | 0,18 | 1,70 | Rabanete | 0,86 | 0,74 |
Cenoura | 1,63 | 1,60 | Repolho | 1,06 | 1,60 |
Chuchu* | 0,35 | 0,79 | Tomate | 0,31 | 0,81 |
Couve* | 0,77 | 1,23 | Vagem* | 1,13 | 2,74 |
Couve-flor* | 1,01 | 1,52 | |||
Leguminosas | |||||
Ervilha* | 2,22 | 1,38 | Feijão preto* | 1,77 | 3,61 |
Ervilha em conserva | 1,32 | 3,93 | Lentilha* | 1,81 | 5,44 |
Feijão carioca* | 2,60 | 4,62 | Soja | 0,71 | 3,37 |
Feijão mulatinho* | 0,71 | 3,37 |
* Alimento cozido
Referência : Cintra, I.P e col. - Intervenções Dietéticas - Condutas Clínicas nas Dislipidemias. 1997; 7:139-157
A ação das fibras no organismo tem demonstrado um incremento na excreção de colesterol e ácidos biliares e , em alguns casos , afetar a composição fecal desses ácidos .
Tanto em experimentos realizados com animais , como nos seres humanos , as fibras alimentares sequestram ácidos biliares , diminuindo sua reabsorção no íleo e reduzindo a hiperlipidemia .
O esquema abaixo , mostra um resumo dos mecanismos de ação das fibras sobre o metabolismo do colesterol .
Mecanismos propostos da ação das fibras sobre o colesterol |
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Neves, M.N. - Os Elementos da Dieta no Tratamento da Doença Cardiovascular - Nutrição e Doença Cardiovascular . 1997 ; 4 : 56.
4. Conclusão:
A redução dos níveis de colesterol observado com o uso de fibras nas dietas , embora significativa , muitas vezes não é suficiente para a normalização da colesterolemia e requer grandes quantidades , que são pouco toleradas . Todavia , elas tem o benefício de acelerar o trânsito gastrointestinal , o que é útil quando se usam drogas hipolipemiantes , como as resinas quelantes de ácidos biliares , potentes na redução da colesterolemia , porém obstipantes .
Dietas ricas em fibras constituem parte integrante do tratamento eficaz do diabetes e da hipercolesterolemia porque , além de reduzirem os níveis séricos de lipídeos, proporcionam melhora do controle glicêmico e aumentam a sensibilidade periférica à insulina .
No acompanhamento clínico de pacientes com níveis elevados de lípides sanguíneos, faz-se necessário a insistente e educativa ação da equipe multidisciplinar no sentido de incrementar a utilização de fibas na dieta.
Nas sociedades urbanizadas a aquisição, preparo e armazenamento dos alimentos ricos em fibras, torna-se cada vez mais dificultada devido à inúmeros fatores.
Somente a educação e o constante direcionamento nutroterápico, mesmo que subjetivo, poderá não reverter , mas pelo menos minimizar o impacto da má nutrição social na gênese de algumas patologias.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1- Cummings , J.H. What is fiber? In Fiber in Human Nutrition.1976;1.
2- Cowgill ,G.R. e Anderson , W.E. Laxative effects of wheat bran and washed bran in health men.. J. Am. Med. Ass, 1932;98:1866.
3- Cowgill, G.R. e Sullivan, A.J. Further studies on the use of wheat bran as a laxative. J. Am. Med. Ass.,1993;100:795.
4- Dimock, E.M. The prevention of constipation . Brit. Med. J.,1937;1:906
5- Burkitt, D.P. Dietary fiber and disease. J.A.M.A.,1974;229:1068-74
6- Campos, M.A.P. Fibra e Nutrição. Boletim SBCTA,1988;22: n°3/4:167-71.
7- Neves,N.M. Os Elementos da Dieta no tratamento da Doença Cardiovascular. In Nutrição e Doença Cardiovascular,1997; 4:49-61.
8- Anderson, J.W. Physiological and metabolic effects os dietary fiber. In Federation Proc.,1985; 44: 902.
9- Cummings, J.H. Nutrition implications of dietary fiber. In Am. J. Clin. Nutr.,1078;31:21.
10-Eastwood,M.A. A new look of dietary fiber. In nutr. Today, 1984; sep-oct: 6.
11-SBAN- Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição. Aplicações das Recomendações Nutricionais Adaptadas à População Brasileira. Fibra alimentar ou fibra da dieta., 1990;73-8.
12- Kohn,I.J. The Role of cholesterol in Atherosclerosis and its potential management by dietary fiber. In Arq. Bras. Cardiol.,1991;56(3): 173-84.
13- Glore,S.R.; Treeck,D.V.; Knehans,A.W. e col. Solube Fiber and Serum Lipids: a Literature Review. In J. Am. Diet. Assoc.,1994; 94(4): 425-36.
14- Gould, M.R.; Anderson, J.W. Biofunctional properties of oat in cereal for food and beverages, 1980;447.
15- Penagini,R. The effect of dietary guar on serum cholesterol, intestinal transit and fecal output in man. Am. J. Gastr., 1986; 81: 123-5.
16- Bijlani,R.L. Dietary fibre: consensus and controversy. In Progress in Food and Nutritions Sciense, 1985;9:343-93.
17- Story,J.A. The role of dietary fiber in lipid metabolism in Advances in Lipid Research,1981;18:220-45.
18- NCEP- National Cholesterol Education Program. Second Report of the Expert Panel on Detection, Evaluation and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults. In Circulation, 1994; 89(3): 1364-1405.
Rosana Perim Costa
Nutricionista Chefe do Serviço de Nutrição e Dietética do Hospital do Coração- Associação Sanatório Sírio.
Diretora do Departamento de Nutrição da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo.
Dr. Carlos Daniel Magnoni
Médico responsável pelo Serviço de Terapia Nutricional do Hospital do Coração- Associação Sanatório Sírio.
Endereço para correspondência:
Rua Desembargador Eliseu Guilherme n°123
Cep: 04004-030
São Paulo - S.P.
A Importância das fibras na prevenção e tratamento das Dislipidemias
Rosana Perim Costa , Carlos Daniel Magnoni
1. Introdução:
Há muitos anos a comunidade científica vem estudando a ação das fibras no organismo e sua interrelação com a gênese e tratamento de inúmeras patologias. (1)
As fibras , notadamente aquelas retiradas do farelo de trigo, são pesquisadas no tocante à ação medicinal desde a época de Hipócrates. Na obstipação crônica do trato gastro intestinal, inúmeros trabalhos associam a ação muco protetora das fibras solúveis à baixa incidência de doenças neoplásicas. (2) (3) (4).
O consumo regular de fibras na dieta está relacionado , em estudos populacionais controlados, à baixa incidência de doenças do aparelho digestivo e cardiovascular. As doenças do metabolismo , notadamente o Diabetes Mellitus, recebem forte incremento terapêutico à associação farmacológica / dietética baseada no consumo de fibras. (5) (6) (7)
A fisiopatologia da proteção orgânica proporcionada pelo consumo de fibras , bem como todos os demais mecanismos de ação envolvidos na atuação preventiva / curativa , merece atençao e discussão científica baseada nas evidências clínicas .(8) (9) (10)
Dr. Daniel Magnoni
Dr. Celso Cukier