Dr. Samir Tuma Jr., especialista em Clínica Médica e Nutrição Clínica, atuou no serviço de Sono do Departamento de Neurologia da UNIFESP na unificação de informações clínicas envolvendo DRS e na criação de protocolo de abordagem clínica. Foi o responsável pelo desenvolvimento do Stent- nasal, no tratamento da Síndrome de Hiperresistência de Vias Aéreas Superiores. Medico e colaborador da Regional São Paulo da Sociedade Brasileira de Clínica Médica.
Nos últimos anos, a importância dos Distúrbios Respiratória do Sono (DRS) tem crescido enormemente. Patologias tão íntimas do clínico, como a hipertensão e a depressão, não podem mais ser analisadas sem que se considere os distúrbios respiratórios do sono como possível causa. O quadro sindrômico desses distúrbios é tão prevalente – atinge 40% da população -, que obriga a uma revisão da fisiopatologia envolvida entre eles e a obesidade. A relação entre obesidade e DRS foi descrita, pela primeira vez, em 1918, por William Osler, lembrando o personagem de Charles Dickens, pletórico, roncador e terrivelmente sonolento, apelidado de "John, The Fat Boy", em Pickwick. Desde então, o tratamento da obesidade, nesses pacientes, tornou-se prioridade. A relação parece óbvia: à medida que o indivíduo aumenta seu índice de massa corpórea, o seu aporte de oxigênio só pode ser compensado com o aumento do esforço respiratório. O esforço respiratório aumentado, por sua vez, é o grande vilão, perturbador do sono e da fisiologia. Em 1972, no entanto, Sadoul e Lugaresi descreveram, pela primeira vez, a síndrome da apneia do sono em indivíduos não obesos, fazendo-nos abandonar a obesidade como causa única para DRS e alertando para um elemento comum a todos os pacientes: anomalia do crescimento crânio-facial.
Distúrbio do crescimento crânio-facial?
A correlação entre os pacientes surge quando percebemos que, em sua maioria, apresentam alterações faciais, que remontam à sua infância e são determinantes na má respiração. A face da criança adquire volume à medida que os seios paranasais são pneumatizados. O seio frontal tem o desenvolvimento mais precoce (até os cinco anos) e seu comprometimento leva a um estreitamento transversal do cavum. O prejuízo no desenvolvimento dos seios maxilares (até o início da adolescência) afetará o alongamento desta área e, conseqüentemente, a altura do cavum. Com tais estenoses isoladas ou, pior ainda, combinadas, teremos prejuízo na estrutura óssea da face, que leva à estenose nasal relativa e ao sofrimento respiratório da criança. A este fato, seguem-se a respiração bucal e as alterações das partes moles (crescimento desproporcional da língua e do véu palatino), que agravam progressivamente respiração. As deformidades da arcada dentária (disoclusões) e a má posição da mandíbula são sempre observadas. Enfim, combinamos em um mesmo individuo estreitamento das vias aéreas superiores e comprometimento do aparelho bucal.
O esforço respiratório aumentado:
O aumento do esforço respiratório implica na utilização excessiva da musculatura acessória da respiração. Tal musculatura é composta, principalmente, pelo esternocleidomastoideo, paravertebrais e trapézio, que junto com a musculatura antigravitacional, é inativada em sono profundo. Assim a incapacidade de manter uma boa ventilação em sono profundo sempre condiciona despertares, que são numerosos, às vezes, mais de trezentos em uma noite, comprometendo o sono e impedindo as fases três e quatro do sono. A ausência do sono profundo e reparador é uma constante na vida destes pacientes e este é o gatilho para uma seqüência de fenômenos: 1. Perda do pico noturno do GH – O pico noturno do hormônio do crescimento só ocorre quando atingimos as fases três e quatro do sono. É sem dúvida, o principal pico, atingindo o dobro ou mais do que o observado com o exercício. A sua ausência condiciona a redução na síntese protéica, assim como reduz a utilização de ácidos graxos do tecido adiposo. 2. Adversidade crônica e hipersecreção de cortisol – Sabemos que o ritmo circadiano do cortisol é uma relação exclusivamente temporal e não causal (Cipola, Marques, Menna-Barreto-Cronobiologia,1988), ou seja, mesmo com os despertares, os picos matinais e vespertinos do cortisol continuam presentes, como acrofases, mas como já foi observado (Takebi, Setashi e Hirami, 1966), o estímulo estressor produz seu efeito nos momentos de menor produção de corticoides e não nas acrofases. A relação deste hipercortisolismo crônico e a depressão é uma das observações mais antigas da Psiquiatria Biológica (Kaplan, psiquiatria clínica, 1997). Este hipercortisolismo conduz também a gliconeogenese, utilização diminuída de glicose pelas células e mobilização dos aminoácidos dos músculos.
Deglutição atípica:
Para a Odontologia (Mason e Proffit, 1974), a deglutição atípica é conceituada como protusão da língua entre os dentes anteriores na fase inicial da deglutição, a ponto de colocar-se em contato com o lábio inferior. Sabemos que esta resulta na dificuldade respiratória e na respiração bucal na infância (Tabith Jr., Ortodontia Contemporânea, 1993), mas certamente é agravada com o aumento volumétrico da língua e do véu palatino, o que resulta ainda em uma mastigação deficiente e uma passagem rápida do bolo alimentar para o esôfago. Sabidamente, a saciedade alimentar é dada inicialmente pelos fatores orais, como mastigação, salivação e degustação do alimento. Segundo Guyton (Fisiologia Médica, 1992), independente do enchimento gástrico, os fatores orais produzem saciedade com duração variando de vinte a quarenta minutos, que são determinantes nos momentos iniciais da refeição e que antecedem os feedbacks de glicose e aminoácidos, assim como o estímulo vagal gastrointestinal. A combinação dos elementos descritos tem grande relevância na fisiopatologia da obesidade: redução da síntese protéica, utilização diminuída de ácidos graxos do tecido adiposo, utilização diminuída de glicose pelas células, mobilização de aminoácidos dos músculos. Aliam-se a estes a depressão, que se relaciona fortemente com a bulimia e, sem dúvida, à deglutição atípica, elemento ligado à glutonaria, uma vez que na presença desta o fator imediato da saciedade passa a ser o estímulo vagal do enchimento gástrico para o centro hipotalâmico da saciedade, fatores que devem ser analisados em pacientes obesos.