Histórias da culinária mediterrânea

Por Licinia de Campos

Pobres e ricos na dieta mediterrânea medieval:

Na Idade Média, o rico não só possuía sua própria casa de campos, mas tb o seu médico particular. Numa era na qual a medicina era primitiva, a higiene e a dietética eram mal entendidas, e os poucos médicos disponíveis forneciam seus serviços somente para a classe mais abastada e notável. Os doutores viviam e trabalhavam em cidades como professores universitários ou na corte. As massas pobres não letradas ainda se guiavam completamente pelas superstições populares no tocante à saúde e à dieta. Nas áreas rurais não havia cuidado médico. Havia uma teoria prevalente durante a Idade Média, datada dos tempos de Hipócrates e expandida pelo físico grego Galeno, atribuindo a diversos alimentos, diferentes propriedades que requeriam “diferentes digestões”. Estas propriedades produziam diferentes “superfluidos”, que eram responsáveis em grande parte pelo papel importante que a dietética exercia na culinária, pois uma dieta apropriada e seletiva era vista como caminho para a boa saúde. Pode-se ver claramente esta atitude na novela por Sabadino della Arienti (que surgiu no século XIV), quando o personagem Zuco Padella, um camponês da Bolonha rural, ia à horta de seu patrão para roubar pêssegos todas as noites. Ele foi pego numa noite e admoestado com as seguintes palavras: “na próxima vez, deixe as frutas da minha horta, e coma das tuas, que são os nabos, alhos, alho-porrós, cebolas e cebolinhas com pão de sorgo”. Os médicos nos séculos XIV e XV, recomendavam aos seus pacientes ricos e nobres que evitassem frutas frescas porque elas causavam desequilíbrio humoral de acordo com a teoria de Medicina de Galeno*. As frutas frescas não eram consumidas em grande quantidade. As frutas secas eram mais comuns, por conta da influência dos textos médicos árabes ( que tinham incorporado muito das teorias de Galeno) na dietética européia. Fruta seca era barata, armazenável e tida como energética.

* deve ter havido muito conflito nas teorias porque é sabido que o médico árabe Avicenna acreditava que os pêssegos eram um alimento integral, enquanto os antigos achavam que a pêra não era, por produzir cólicas e flatulência. Ibn Ridwan recomendava o consumo de maçã, marmelo, ameixa, romã, pêssego e frutas do martírio de Cristo. Ibn Ridwan, conhecido no Ocidente como Haly Rodoan, foi um egípcio do século XI, e demonstrou vasto conhecimento sobre a medicina grega e egípcia antiga, escrevendo sobre uma topografia médica do Egito, revelando as más condições higiênicas da cidade do Cairo.