Prof. Dr.Rubens Feferbaum
Durante a doença da criança, frequentemente o jejum e o estresse metabólico estão presentes.
A resposta metabólica do paciente gravemente enfermo é caracteristicamente acelerada, ocasionando o chamado estado hipermetabólico, que corresponde a uma resposta generalizada do organismo iniciada e mantida por uma combinação de estímulos hormonais, neurais e ambientais. Há profundas modificações no metabolismo dos hidratos de carbono, gorduras e proteínas proporcionais à gravidade da doença. Se a quantidade e qualidade dos substratos nutricionais for insuficiente para suprir as demandas metabólicas poderá ocorrer disfunção orgânica cardíaca, renal , intestinal, neurológica e outras comprometendo o paciente(DELGADO,1994; BARTON,1994).
As funções orgânicas refletem o estado hipermetabólico com as seguintes manifestações(CERRA,1989; DELGADO,1994):
– Cardiovascular: aumento do débito cardíaco, vasodilatação periférica, expansão do compartimento vascular;
– Pulmonar: aumento da freqüência respiratória e da ventilação minuto, desbalanço da relação ventilação/perfusão
– Renal: Perda da capacidade de concentração e diluição, retenção de água e sal
– Hepática: Neoglicogênese, prejuízo na síntese protéica e na excreção biliar
– Gastrointestinal: Íleo adinâmico, depleção enzimática da borda em escova da mucosa intestinal com má absorção de nutrientes e perda da integridade da barreira da mucosa facilitando a translocação bacteriana
– Musculatura esquelética: Proteólise
– Tecido adiposo: Lipólise
Os estudos pioneiros de CUTHBERTSON;TILSTONE,1977 descreveram dados a respeito da resposta ao stress ( condição hipermetabólica por trauma ou sepse).
A resposta metabólica imediata após stress denomina-se fase ebb ("vazante") podendo ser transitória ou permanente; nesta fase há diminuição do fluxo sangüíneo aos tecidos, diminuição do débito cardíaco, do consumo de oxigênio e da temperatura corpórea; o eixo hipotálamo hipofisário é ativado e ocorre liberação de catecolaminas, lactato e ácidos graxos. A TMB nesta fase está diminuída.
A fase posterior, após o restabelecimento da volemia, é denominada fase flow ("restauração de fluxo") podendo persistir por dias ou semanas. Caracteriza-se por respostas agudas e adaptativas: débito cardíaco elevado, aumento das perdas urinárias de nitrogênio, metabolismo da glicose alterado e intenso catabolismo. Nesta situação, a TMB pode estar muito elevada. Durante a fase de fluxo, o corpo se encontra em estado catabólico, consumindo reservas de gordura e músculo para atender suas necessidades energéticas. Hormônios de stress catabólico aumentam, resultando em resistência celular à insulina que pode levar à hiperglicemia ou estado diabetes-símile. Estas condições hormonais favorecem o consumo de gordura e tecido muscular para a produção de energia. O stress catabólico da fase aguda de fluxo diminue gradativamente e o paciente entra em uma fase adaptativa de fluxo, quando então predominam os processos anabólicos (BEISEL,1977).
A criança que apresenta estresse metabólico não apresenta de forma tão definida as fases retro mencionadas. Alguns estudos e revisões especialmente na criança e particularmente no RN com sepse bacteriana demonstram que a presença de citocinas tais como a interleucina-1, interleucina-6 e fator de necrose tumoral , associados aos hormônios tireoideano e de crescimento levam a um aumento no consumo de oxigênio(ADAN et al.1995). Em condições normais o RN tem alto consumo de O2, direcionado principalmente para o cérebro, coração, rins e fígado, que correspondem à 60-70% do total de O2 disponível na circulação do sangue. O tênue equilíbrio da oxigenação celular depende de um balanço dinâmico entre o fluxo sangüíneo, a extração tecidual e o conteúdo sangüíneo de O2, facilmente alterado na condição de sepse neonatal. A resultante má distribuição do fluxo sangüíneo, aumento do consumo de O2, alterações metabólicas como acidose propiciam o estado hipermetabólico e a disfunção múltipla de órgãos e sistemas(FALCÃO,1999).
As infecções agudas podem ocasionar uma resposta metabólica generalizada que conduzem ao hipermetabolismo e catabolismo com a resultante perda de proteína celular somática e depleção dos estoques de nutrientes orgânicos(BEISEL,1984).
CERRA,1989 demonstrou aumento no gasto energético de 170 à 200% da TMB no estado de hipermetabolismo. A principal fonte de calorias seria a oxidação de substrato misto com predomínio de proteínas.
LONG et al.,1979 pesquisaram a TMB associadas ao trauma grave; esta pode variar até 40% a mais na condição referida. Aumentos mais acentuados de mais de 50% da TMB foram descritos em infecções com resposta inflamatória intensas como na peritonite e empiema pleural, porém não comprovada em Recém-Nascidos com sepse ( Feferbaum, 2002). No grande queimado a TMB pode aumentar até 100%. Baseado nestes valores, foram elaboradas tabelas que corrigem as necessidades calóricas no paciente hipermetabólico através de um "fator de estresse" variável segundo a condição clínica do paciente.
À propósito, o processo metabólico verificado durante o jejum difere daquele verificado na sepse ou trauma: não ocorre hipermetabolismo. Ao contrário, a TMB pode estar diminuída, a autofagia protéica é menos acentuada e há mobilização de gorduras. A hidrólise de uma molécula de triglicerídeo produz três ácidos graxos; estes são transportados pela albumina e utilizados no coração, músculos esqueléticos, fígado e rins. O glicerol, um componente do triglicerídeo, é removido pelo fígado para a síntese de glicose no jejum. Os triglicerídeos são excelentes fontes para armazenar energia(9,4 Kcal/g) (DEUTSCHMAN,1992)
Quando o organismo está em jejum, os tecidos adiposo e posteriormente o muscular fornecem energia para o adulto durante 2 meses, considerando uma utilização de energia de 1 Kcal/Kg/dia (FELIG et al.,1983).
O lactente e em especial o RN são muito vulneráveis ao jejum. Como visto anteriormente suas reservas energéticas são baixas ( aproximadamente 5000Kcal para um RN pesando 3 Kg, comparado à 160000 Kcal de um adulto). A perda protéica no RN que recebe somente soro glicosado é de aproximadamente 1,2g/Kg/dia o que corresponde à 1-2% ao dia do total de proteínas. Evidentemente, há piora considerável do quadro nutricional da criança durante a doença, sobrevindo rapidamente grave desnutrição; nesta situação a EMTN hospitalar deve ser acionada e traçar estratégias de intervenção prontamente.